O que aprendi no Polyglot Conference em Ljubljana

Em outubro do ano passado, fui à Conferência de Poliglotas na cidade belíssima de Ljubljana, na Eslovênia. A conferência é um evento anual em que pessoas do mundo inteiro que gostam de aprender línguas se reúnem por um fim de semana. Tem palestrantes diversos falando sobre aprendizagem de línguas, ensino de línguas, linguística, e assuntos culturais ligados às línguas. Acima de tudo é uma ótima chance para conhecer gente com a mesma paixão pelas línguas. (Não precisa falar muitas línguas pra entrar – é suficiente ter vontade!)

Foi muito divertido e aprendi bastante. Eis as principais coisas que ficaram em minha memória:

Falar não é o único jeito de praticar uma língua

Há uma idéia popular na comunidade de poliglotas (apoiado por poliglotas famosos como Benny Lewis) que para aprender uma língua se deve falar desde o início, e falar bastante. Faz sentido, e também encaixa bem num discurso motivacional – não fique esperando, vai logo e fala – mas, como sou muito introvertido, não corresponde à minha experiência individual. Prefiro estudar sozinho, e não faz mal se não tenho muitas oportunidades pra falar todas as minhas línguas. Porém, mesmo se não falo sueco todo dia, seria bom saber que poderia.

Por isso, curti duas palestras sobre formas de praticar que podemos fazer sem precisar procurar gente com quem falar. Gareth Popkins falou sobre métodos para treinar a fala sozinho. Por exemplo, há uma técnica chamado “faithful retelling” (recontagem fiel). Você lê ou ouve um texto curto, faz anotações pra ajudar a lembrar o conteúdo, e depois tenta reproduzir o sentido do documento original. Outra técnica é a paráfrase: você tenta reescrever a frase usando palavras diferentes. A palestra de Lindsay Williams foi sobre a “capacidade esquecida”: a escritura. Ela nos lembrou que escrever em língua estrangeira é um jeito de praticar que é fácil, eficaz e conveniente: dá pra escrever em qualquer lugar, só precisa de papel e caneta!

Estudar línguas com um sistema

Outra idéia comum em várias palestras foi de estudar com um sistema: em vez de estudar o que dá vontade no momento, pode ser útil estabelecer metas e rotinas. Isso pode tomar várias formas. Por exemplo, você pode estabelecer uma meta de estudar um certo número de horas cada semana, ou de ter contato com uma certa língua todo dia, ou concentrar em línguas ou técnicas de estudo diferentes cada dia, semana, ou mês.

Olly Richards falou do desafio que ele fez a si mesmo de aprender italiano através de se expor a quantidades enormes de conteúdos compreensíveis em pouco tempo. Judith Meyer falou sobre o projeto de criar um curso de esperanto para a série Teach Yourself. Finalmente, Lýdia Machová falou sobre as suas experiências ajudando pessoas a estudar línguas e como ela as ajudou assegurando que cada uma tinha um sistema adequado ao individual. Depois da conferência, decidi adotar um sistema em que concentro em uma língua diferente cada mês.

Uma língua é vigorosa em função de como é usada, não quantos  falantes tem

Como é que podemos saber se uma comunidade linguística é saudável? Talvez as línguas se encontrem em situação forte quando têm muitos falantes nativos. Neste caso, o chinês mandarim seria a maior língua no mundo. Ou talvez o número total de falantes, sejam eles nativos ou não? Neste caso o inglês fica na primeira posição, o que é razoável. Mas esse modo de pensar é incompleto. Que tal o caso de uma língua falada por uma pequena comunidade, mas eles falam a língua em todas as situações e a utilização dela não está diminuindo? Claramente é mais forte que uma língua falada por mais gente, mas cujos falantes a abandonam a favor de outra língua dominante, ou tem vergonha de falá-la em público.

Vária palestras na conferência falaram sobre a situação de conservação das línguas minoritárias. Samanta Baranja falou – em esloveno – da comunidade roma (ciganos) na Eslovênia, e as tentativas de organizações locais de tornar a educação mais acessível a eles, utilizando a(s) língua(s) romani como ferramenta de inclusão em vez de exclusão. Claudia Ferigo falou da língua friulana, falada no nordeste da Itália (não é um dialeto do italiano!) e o festival Suns Europe de artes em línguas minoritárias. Anoushka Dufeil falou da marginalização de uma outra perspectiva: a luta das mulheres francófonas por inventar formas de se exprimir em francês sem sugerir desigualdade dos sexos (A Académie française parece atrapalhar bastante). Finalmente, Alex Rawlings exortou a toda a comunidade de poliglotas de usar os idiomas para destruir as Grenzen (fronteiras ou limites). Ele nos contou a história de quanto o ato de falar grego enriqueceu a experiência dele quando passou um verão na Grécia quando era menino. Destacou que, embora o inglês internacional predomine cada vez mais como forma de facilitar a comunicação entre nações, a diversidade lingüística é uma condição necessária para que as pessoas possam plenamente incorporar suas culturas. Também se opôs à tendência atual de criar conteúdos públicos e profissionais só em inglês, e de que as pessoas frequentemente até perdem a capacidade de usar a língua materna para falar de determinados assuntos.

Atualmente, qualquer um pode alcançar uma audiência global através da internet. Portanto, as línguas menores correm o risco de serem relegadas a usos domésticos, sociais e tradicionais, e de não serem usadas para funções como música popular, filmes, ciência, e blogues. Muitas universidades na Europa oferecem cursos de estudo em inglês que não são disponíveis na língua local, e muitos escritores nunca publicaram na língua materna.

Como um pequeno ato de oposição a essa tendência, decidi escrever este blog em pelo menos duas línguas: todos os conteúdos são disponíveis em inglês e português (considero que escrevo duas versões originais, não uma tradução), e talvez eu adicione outros idiomas no futuro.

Todo mundo estava nas redes sociais e nem sabia

Claro que sabia que tinha um grupo da conferência no Facebook. Mas não tinha a mínima idéia de que todo mundo estava conversando e coordenando atividades num grupo no Telegram. Eu nem tinha acesso à internet no meu telefone! Felizmente, Ljubljana é suficientemente pequeno que fiquei encontrando o pessoal da conferência por acaso na rua, e assim conheci alguns amigos.

No ano que vem, a conferência será em Fukuoka, no Japão. Espero que possa participar, mas estou trabalhando e terminando o doutorado ao mesmo tempo e não sei se vai dar tempo.